sexta-feira, 14 de novembro de 2008

26º Encontro, 06 de novembro

Leitura Compartilhada:
ABC
Luiz Fernando Veríssimo

Quando a gente aprende a ler, as letras, nos livros, são grandes. Nas cartilhas - pelo menos nas cartilhas do meu tempo - as letras eram enormes. Lá estava o A, como uma grande tenda. O B, com seu grande busto e sua barriga ainda maior. O C, sempre pronto a morder a letra seguinte com a sua grande boca. O D, com seu ar próspero de grão-senhor. Etc. Até o Z, que sempre me parecia estar olhando para trás. Talvez porque não se convencesse que era a última letra do alfabeto e quisesse certificar-se de que atrás não vinha mais nenhuma. As letras eram grandes, claro, para que decorássemos a sua forma. Mas não precisavam ser tão grandes. Que eu me lembre, minha visão na época era perfeita. Nunca mais foi tão boa. E, no entanto, os livros infantis eram impressos com letras graúdas e entrelinhas generosas. E as palavras eram curtas. Para não cansar a vista.
À medida que a gente ia crescendo, as letras iam diminuindo. E as palavras, aumentando. Quando não se tem mais uma visão de criança é que se começa, por exemplo, a ler jornal, com seus tipos miúdos e linhas apertadas que requerem uma visão de criança. Na época em que começamos a prestar atenção em coisas como notas de pé de página, bulas de remédio e subcláusulas de contrato, já não temos mais metade da visão perfeita que tínhamos na infância, e esbanjávamos nas bolas da Lulu e no corre-corre do Faísca.
Chegamos à idade de ler grossos volumes em corpo 6 quando só temos olhos para as letras gigantescas, coloridas e cercadas de muito branco, dos livros infantis. Quanto mais cansada a vista, mais exigem dela. Alguns recorrem à lente de aumento para seccionar as grandes palavras em manejáveis monossílabos infantis. E para restituir às letras a sua individualidade soberana, como tinham na infância.
O E, que sempre parecia querer distância das outras. O R! Todas as letras tinham pé, mas o R era o único que chutava. O V, que aparecia em várias formas: refletido na água (o X), de muletas (o M), com o irmão siamês(o W). O Q, que era um O com a língua de fora.
De tanto ler palavras, nunca mais reparamos nas letras. E de tanto ler frases, nunca mais notamos as palavras, com todo o seu mistério. Por exemplo: pode haver palavra mais estranha do que "esdruxulo"? É uma palavra, sei lá. Esdrúxula. Ainda bem que nunca aparecia nas leituras da infância, senão teria nos desanimado. Eu me recusaria a aprender uma língua, se soubesse que ela continha a palavra "esdrúxulo". Teria fechado a cartilha e ido jogar bola, para sempre. As cartilhas, com sua alegre simplicidade, serviam para dissimular os terrores que a língua nos reservava. Como "esdrúxulo". Para não falar em "autóctone". Ou, meu Deus, em "seborréia'!
Na verdade, acho que as crianças deviam aprender a ler nos livros do Hegel e em longos tratados de metafísica. Só elas têm a visão adequada à densidade do texto, o gosto pela abstração e tempo disponível para lidar com o infinito.
E na velhice, com a sabedoria acumulada numa vida de leituras, com as letras ficando progressivamente maiores à medida que nossos olhos se cansavam, estaríamos então prontos para enfrentar o conceito básico de que vovô vê a uva, e viva o vovô.
Vovô vê a uva! Toda a nossa inquietação, nossa perplexidade e nossa busca terminariam na resolução deste enigma primordial. Vovô. A uva. Eva. A visão. Nosso último livro seria a cartilha. E a nossa última aventura intelectual, a contemplação enternecida da letra A. Ah, o A, com suas grandes pernas abertas.

Planejamento do encontro:
ALFABETIZAÇÃO e LINGUAGEM – MÓDULO 2
26º Planejamento – 06 de novembro

FORMAÇÃO CONTINUADA

Para usar o dicionário temos que ser ‘sabidos’! Na verdade, precisamos ter uma série de conhecimentos para poder ter acesso às informações ali organizadas.
Só à medida que vamos nos tornando mais letrados
podemos usufruir adequadamente do que um dicionário tem a nos oferecer.
MORAIS, Artur Gomes de, Ortografia: ensinar e aprender.
São Paulo, Ática, 1998.


OBJETIVOS DO ENCONTRO:
§ Refletir acerca das diferenças/semelhanças, aproximações/distanciamentos entre a língua falada e a relação desta com a que está posta no dicionário.
§ Discutir como se dá o processo de leitura e quais são as estratégias usadas pelo leitor.
§ Tematizar os processos envolvidos no ato de ler.

PROGRAMAÇÃO

1. LEITURA COMPARTILHADA
· ABC in Comédias para se ler na escola, Luís Fernando Veríssimo.
· Reportagem: Evanildo Bechara - Professor Emérito 2008, Revista Agitação nº 83 set/out de 2008. http://www.ciee.org.br/

2. SOCIALIZAÇÃO
* Síntese do encontro anterior.
* Sacola da leitura.

3. REDE DE EXPERIÊNCIAS
* dinâmica com palavras: escrever o significado de algumas palavras de forma que os colegas descubram qual é a palavra conhecendo somente a definição elaborada no momento.
* texto e interação: pressupostos, subentendidos e os níveis de leitura.

4. APROFUNDAMENTO
· Textos e atividades propostas – Dra. Patrícia Vieira Nunes Gomes (material entregue na aula).
· Fascículos 3 e 7 ; 4 e 8.

5. AVALIAÇÃO
§ Do que gostei?
§ O que critico?
§ O que sugiro?

6. Trabalho Pessoal – A ser desenvolvido para o Portfólio
Em suas aulas os alunos são estimulados a pensar? Eles conseguem encontrar o pressuposto e subentendido no(s) texto(s)?

7. Para Saber Mais...
· http://www.filologia.org.br/ixcnlf/9/06.htm As tiras de quadrinhos de Mafalda: uma proposta de ensino da língua materna, Lídia Maria Rodrigues de Oliveira (UFES) e Mônica Lopes Smiderle de Oliveira (UFES).
· SEARLE, John. Expressão e significado. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
· VERÓN, Eliseo. A produção de sentido. São Paulo: Cultrix, 1980.
· Produção textual, análise de gêneros e compreensão, Luiz Antônio Marcuschi. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
· A coerência textual, Ingedore Villaça Koch e Luiz Carlos Travaglia. São Paulo: Contexto, 2003.
· Ler e compreender os sentidos do texto, Ingedore Villaça Koch e Vanda Maria Elias. São Paulo: Contexto, 2007.

8. Registro Reflexivo
Escrever sobre o encontro e/ou sobre o(s) tema(s) em estudo. Dificuldades e sucessos evidenciados.

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